O Engenho Central e o Direito à Verdade
Ensinou Aristóteles, em sua Arte Retórica e Poética, que o historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso – mas sim por que um escreve o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido. Em tempos de terraplanistas, de negacionistas e de pós-verdades, importa lembrar que quando se trata de recuperarmos fatos e feitos reais precisamos cuidar sempre para nos mantemos dentro do leito da história, deixando as gostosuras da ficção para que com elas nos deleitem os poetas.
Assim, cumpre afirmar que do leito da história desvia-se o artigo “O Maior Centro Cultural do Estado”, escrito pela ex-secretária de cultura Rosângela Camolese e publicado neste jornal no dia 4 de fevereiro – no qual se “conta” sobre a história recente do Engenho Central. Diante dele, e do que entendemos ser um direito à verdade, respeitosamente queremos recuperar aqui o que registra a história desse espaço – a fim de que possamos restabelecer os nomes e os feitos de todos os que lutaram para que o Engenho Central pudesse ser, de fato, do povo.
Nesse sentido, nos perguntamos: por que não se informou ao leitor, no referido artigo, que o Engenho Central se tornou “patrimônio dos piracicabanos” graças ao Prefeito José Machado, do Partido dos Trabalhadores? (Em tempo: o Engenho Central se tornou propriedade dos piracicabanos no dia 10 de novembro de 1989, quando o Doutor Octávio Helene Júnior, Juiz da 2ª. Vara Cível de Piracicaba, assinou ato judicial imitindo a Municipalidade na posse do imóvel, como consequência do Decreto nº 5043, de 29 de setembro de 1989, assinado pelo Prefeito José Machado).
Por que não se lembrou no artigo em questão que no dia primeiro de maio de 1990, Dia do Trabalho, o Engenho Central foi entregue oficialmente pelo prefeito José Machado ao povo de Piracicaba – e que a partir daí deu-se uma intensa agenda de seu uso e ocupação, sendo que um dos pontos emblemáticos foi a transferência para lá, em 1991, da Festa das Nações. Por que não se informou também em tal artigo que foi a administração Machado quem abrigou o Salão de Humor e a Paixão de Cristo no Engenho? Por que não se relembrou que no dia 20 de dezembro de 1992 foi inaugurada e entregue à população piracicabana a Ponte Pênsil, selando a inexorabilidade do processo de apropriação pública desse espaço magistral?
As gestões tucanas não deveriam esforçar-se tanto para que tais apagamentos da história ocorram em relação às gestões petistas – afinal, há razões para se defender a administração dos tucanos sem desmerecer outros governos. Nesse sentido, não há por que não reconhecermos os esforços da ex-secretária para melhorar as condições gerais de acessibilidade do Engenho Central. Não há por que não reconhecer os esforços para se pagar a dívida financeira decorrente do processo desapropriatório – o que não se caracteriza como favor, mas obrigação face a um fato administrativo legal, legítimo e de elevadíssimo interesse público. Não há por que não se elogiar o belo Teatro Erotides de Campos. É evidente!
Estamos certos de que não deve haver mais espaço para o negacionismo seja onde for. As diferenças políticas precisam estar submetidas ao bem-comum da sociedade e, para tanto, se faz necessário que a verdade dos fatos se imponha sempre. Caso contrário, ao se apagar a história de um povo se apagarão também as possibilidades de construirmos uma cidade, um país e um mundo melhores.
Legados se fazem com fatos. O mais é poesia.
Rai de Almeida é advogada e vereadora pelo Partido dos Trabalhadores